EDITORIAL

O Documento das Américas: Boas Práticas Clínicas para Autoridades Regulatórias

Em 1996, quando foram adotadas as Normas de Boas Práticas Clínicas da Conferencia Internacional de Harmonização (ICH, sigla em inglês), foi projetado facilitar a ação das autoridades regulatórias sobre os diferentes atores da pesquisa clínica. Essas normas foram criadas e incorporadas à legislação das três regiões do mundo (Estados Unidos, União Européia e Japão) que produzem a maior parte de medicamentos, vacinas, biológicos, testes diagnósticos e equipamentos médicos. As autoridades regulatórias das três regiões mencionadas são caracterizadas por terem grande capacidade técnica para a execução de sua missão de promover o avanço tecnológico e proteger às comunidades. Mesmo assim, assumir essa tarefa tem sido uma longa caminhada, em parte porque nas Boas Práticas Clínicas da ICH foram definidas as responsabilidades para Comitês de Ética, Patrocinadores e Pesquisadores; mas as autoridades regulatórias das regiões da ICH não estabeleceram quais são suas próprias responsabilidades, nem indicaram como iam cumprir suas funções nesse documento e, portanto, não conseguiram harmonizar suas práticas nesse aspecto.

Justamente, esse ponto é um dos grandes avanços que oferece o Documento das Américas sobre Boas Práticas Clínicas: poder ajudar às autoridades regulatórias do continente a estabelecer uma plataforma comum sobre como desempenhar sua função em relação à pesquisa clínica. As possibilidades que oferece essa metodologia comum de regulamentação para as autoridades de nossos países, com maiores limitações em orçamento e em recurso humano que suas contrapartes das regiões da ICH, são prometedoras em termos de colaboração: podem permitir a formação unificada de pessoal, realização de inspeções conjuntas e até pensar num futuro de reconhecimento mutuo das ações das autoridades de cada país como aconteceu na Europa há mais de três décadas. Porém, as promessas ainda não foram cumpridas na extensão desejada: apesar de que já se passaram quase cinco anos da reunião da República Dominicana de Março de 2005, na qual foi publicado o Documento das Américas; poucos países, tais como Argentina (2007), Brasil (2008) e Colômbia (2008), incorporaram esse documento na sua própria regulamentação.

Há experiências interessantes como o fomento do governo federal do Brasil à criação de centros que liderem a pesquisa clínica de interesse em saúde pública nos hospitais universitários, ao mesmo tempo em que sua autoridade regulatória implementa a nova regulamentação sobre requerimentos dos centros de pesquisa clínica. Nesse tipo de experiência, o governo não simplesmente impõe um novo padrão, mas também avaliza e apóia ativamente as universidades e a comunidade acadêmica como referência de qualidade em pesquisa. Desta forma é permitido que a pesquisa clínica não constitua simplesmente uma atividade lucrativa adicional de uns poucos atores privados, e sim que construa capacidade para solucionar os problemas da região. A transferência de experiências deste tipo pode ser facilitada com a adoção de plataformas comuns dentro da região.

Contar com autoridades regulatórias fortes é uma necessidade da região se quisermos deixar de ser simples fornecedores de voluntários, dados e amostras para companhias multinacionais para sermos protagonistas de soluções dos problemas de saúde de nossa região, criadas em nossas universidades e indústrias. Mas a necessidade é ainda mais urgente: o desenvolvimento de produtos inovadores que respondam a nossos problemas de saúde, sejam desenvolvidos por multinacionais ou dentro da região, exigem interlocução com autoridades tecnicamente capazes que conheçam de perto as necessidades de nossas comunidades.

O Documento das Américas, iniciativa pioneira da Rede Pan-Americana para Harmonização da Regulação de Medicamentos (PANDRH, sigla em inglês), poderia ser o primeiro passo para uma futura agencia regional comum semelhante à Agência Européia de Medicamentos (EMEA, sigla em inglês). Uma agência regional que ofereça capacidade técnica às autoridades dos países membros e representatividade à região nas futuras discussões sobre regulamentação de pesquisa no mundo.

Ricardo Palacios, MD, PhD
Disciplina de Infectologia, UNIFESP
Escola Paulista de Medicina
Diretor, Meridional R&D
São Paulo, Brasil

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