Causas de recaída e de busca por tratamento referidas por dependentes químicos em uma unidade de reabilitação
Causes of relapse and search for treatment reported by drug users in a rehabilitation unit
Flávia Regina Mendes Carvalho, Acad1, Tatiana Brusamarello, MSc2, Andréa Noeremberg Guimarães, MSc3, Marcio Roberto Paes, MSc4, Mariluci Alves Maftum, PhD5
1. Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano em Enfermagem (NEPECHE). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: enfermeira.flavia@hotmail.com
2. Enfermeira. Membro do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: tatiana_brusamarello@yahoo.com.br
3. Enfermeira. Membro do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: deia@ufpr.br
4. Enfermeiro do Hospital de Clínicas, Membro do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: marropa@pop.com.br
5. Docente Adjunto, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Vice-Líder do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: maftum@ufpr.br
Recebido para publicação janeiro20, 2011Aceito para publicação abril 29, 2011
RESUMO
Objetivos: Identificar as causas de recaída e de busca por tratamento pelos dependentes químicos.
Metodologia: Pesquisa qualitativa, exploratória, realizada em Unidade de Reabilitação de Adictos de um hospital psiquiátrico do Paraná, Brasil. Os dados foram coletados nos meses de maio a junho de 2010, através de entrevista semiestruturada com 12 dependentes químicos. Posteriormente, foram analisados e organizados em categorias temáticas.
Resultados: Da análise, emergiram cinco categorias: o meio influencia a recaída; o não reconhecimento da impotência perante o vício; dificuldade de lidar com frustrações; a inatividade desperta o desejo pelo uso de substâncias psicoativas; perdas, comorbidades e o reconhecimento da impotência motivam a busca de tratamento.
Discussão: Evidenciou-se dentre as motivações atribuídas à recaída, influências externas relacionadas ao contexto social e internas, como a dificuldade de autopercepção. Os sujeitos atribuíram às perdas, diversos aspectos da vida e o reconhecimento do déficit de controle perante o vício, como fatores decisivos para a busca por tratamento.
Conclusão: Conclui-se que a recuperação destes indivíduos é favorecida pela união dos fatores físicos, emocionais e sociais. Assim, é necessário que os profissionais de saúde busquem constantemente aprimorar seus conhecimentos acerca desta temática, a fim de estarem capacitados para prestar cuidado integral a essa clientela.
Palavras chave: Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Recidiva; Saúde mental; Pesquisa qualitativa; Enfermagem.
SUMMARY
Objectives: To identify the causes of relapse and search for treatment by drug users.
Methodology: This was a qualitative exploratory research carried out in an Addiction Rehabilitation Unit at a psychiatric hospital in Paraná State, Brazil. Data were collected from May to June 2010 through a semistructured interview with 12 drug addicts. They were further analyzed and organized into thematic categories.
Results: Five categories emerged from the analysis: Environment influences relapse; Non-recognition of the powerlessness facing addiction; Difficulty in coping with frustrations; Inaction fosters cravings for psychoactive substances; Losses, co-morbidities, and recognition of powerlessness lead to the search for treatment.
Discussion: Among the motivations for relapse, external influences related to the social context, as well as internal ones such as difficulties with self-perception were pointed out. The subjects attributed to losses, several aspects of their lives and the recognition of the control deficit over the addiction as the ultimate factors to search for treatment.
Conclusion: It can be concluded that those subjects’ recovery is favored by the conjunction of physical, emotional, and social factors. Thus, it is deemed necessary that health professionals continuously refine their knowledge on this theme to be qualified to deliver thorough care to these clients.
Keywords:Substance-related disorders; Recurrence; Mental health; Qualitative research; Nursing.
A dependência química constitui problema social em todos os países e as consequências do uso de substância psicoativas atingem o usuário, sua família, amigos e a sociedade em geral. Esse tema tem sido debatido em vários segmentos sociais e estudado por especialistas no mundo, porquanto se trata de fenômeno complexo, dinâmico e um problema de ordem legal, social e sanitário1.
A prática do uso de substâncias psicoativas advém das mais variadas culturas, desde os tempos pré-históricos, utilizada como forma de aumentar o prazer e diminuir o sofrimento. Contudo, o uso da droga passou da forma ritualística, consumida em pequenas quantidades, para a da produção e, hoje, seu consumo e distribuição ocorrem em grande escala, se tornando produto comercial, utilizado por pessoas de ambos os sexos, de todas as faixas etárias, independentemente do nível de instrução e do poder aquisitivo1-3.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 10% da população mundial, que vive nos grandes centros urbanos, utiliza, de forma abusiva, algum tipo de substância psicoativa. O quadro atual do Brasil3 se assemelha a esse panorama.
A dependência química é uma doença multicausal, que necessita de tratamento clínico e farmacológico e de intervenções com abordagem psicossocial, que contemple as necessidades de saúde do usuário e de sua família. Essas iniciativas são essenciais para estabelecer condições que viabilizem o tratamento a fim de estabilizar o quadro da dependência, garantir a remissão dos sintomas de abstinência e, evitar a recaída4. Assim, o tratamento e o plano de reabilitação psicossocial do dependente químico, devem ser desenvolvidos por equipe multiprofissional e, nesta os profissionais de enfermagem desempenham papel imprescindível no tratamento, reabilitação, reintegração social e atendimento familiar, colaborando ativamente neste processo e oferecendo cuidado planejado, respeitando as especificidades de cada indivíduo1.
Para que a equipe de enfermagem possa realizar o cuidado de qualidade a esta clientela é importante aprofundar o conhecimento sobre como ocorre o processo de recaída do dependente químico e o que o leva a buscar tratamento ou manutenção deste. Assim, esta pesquisa teve como objetivo identificar as causas de recaída e de busca por tratamento pelos dependentes químicos internados em uma Unidade de Reabilitação de Adictos (URA) que admite exclusivamente homens portadores de dependência do álcool e outras drogas.
METODOLOGIA
Pesquisa qualitativa exploratória, abordagem que tem a finalidade de revelar os diversos olhares possíveis sobre como o fenômeno complexo se comporta5.
Esta pesquisa foi realizada com 12 sujeitos em tratamento na URA de um hospital psiquiátrico do Paraná, Brasil. O convite para a participação ocorreu durante reuniões coordenadas pela equipe multiprofissional da URA. Do total de 32 usuários internados durante o período de coleta de dados, foram incluídos no estudo somente os maiores de 18 anos com histórico de episódio de recaída e que aceitaram participar da pesquisa mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Este artigo integra o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, sob registro CEP/SD: 904.029.10.03; CAAE: 0825.0.000.091-10. Foram respeitados os aspectos éticos, de acordo com a Declaração de Helsinki. Os sujeitos foram incluídos no estudo após a assinatura do TCLE, com garantia de direito à privacidade, ao anonimato, sigilo, bem como a identificação dos participantes por códigos. Eles foram esclarecidos quanto ao objetivo e metodologia do estudo e à liberdade de participar ou desistir, a qualquer momento, caso desejasse.
Os dados foram coletados por entrevista semiestruturada, cujo roteiro continha questões relativas a identificação e questões abertas: Quais os motivos a que você atribui a sua recaída? Quais os motivos a que você atribui a busca por tratamento?
Os dados foram analisados e organizados em categorias temáticas de acordo com a proposta de Minayo6. Primeiramente, foram ordenadas, transcritas e feitas releitura das entrevistas. Na seqüência, fez-se a classificação, pela leitura exaustiva e repetida dos dados coletados e buscou-se a relação dos questionamentos do pesquisador com base em fundamentação teórica. Na sequência foi realizada a análise final estabelecendo articulações entre os dados e a fundamentação teórica, as relações entre o concreto e o abstrato, o geral e o particular, a teoria e a prática que resultaram em categorias temáticas.
Os sujeitos dessa investigação pertenciam a uma população, identificados pelo fator comum da dependência química e da recaída, em situação de internação, o que pôde resultar em categorias predeterminadas por esta condição, com a possibilidade de perda de outras categorias que pudessem ser informadas por sujeitos adictos em situação de recaída que não estivessem institucionalizados.
RESULTADOS
Apresentam-se os dados que emergiram das entrevistas: o meio influencia a recaída; o não reconhecimento da impotência perante o vício; dificuldade de lidar com frustrações; a inatividade desperta o desejo pelo uso de substâncias psicoativas; perdas, comorbidades e o reconhecimento da impotência motivam a busca de tratamento.
O meio influencia a recaída. O contexto social em que vivem, mantendo a mesma rotina e convívio com as mesmas pessoas, favorece o retorno ao uso das drogas e, presenciar o uso de substâncias psicoativas pelos amigos torna-se um convite para a recaída.
«(...) eu estava separado, daí as mesmas amizades, a mesma vidinha, os mesmos lugares.».
«(...) fiquei sem usar 20 dias, só que comecei a beber e frequentar lugar errado (...). Dei carona para um cara no meu carro para ir até a favela comprar droga, isso foi às oito horas da noite e, quando cheguei lá, peguei e segurei a droga na mão e senti o cheiro. Meia noite eu estava lá comprando droga para usar. (...) fui morar na favela, com uns caras que fumam crack e eu tava fumando todo dia. Com dinheiro ou não eu fumava direto».
O não reconhecimento da impotência perante o vício. A ideia de que já está curado e que consegue resistir, ou até mesmo usar alguma droga e parar quando desejar é motivo que os levou à recaída.
«(...) saí para ir ao hospital clínico, mas já estava com bastante fissura, tinha sonhado à noite que estava bebendo (...) decidi que ia chegar no bar e tomar um refrigerante (...), pensei, vou tomar só uma latinha de cerveja (...), acabei tomando uma garrafa de cerveja (...) e conhaque junto (...) é esse o erro, a gente pensa que uma cerveja não vai ‘dar’ nada. Fazia oito meses que eu tava abstinente. Tomei uma cerveja (...) daí aquela cerveja puxa a outra e aí dá mais ‘sede’ (...) e aí a recaída».
«Quis fazer um teste comigo mesmo, (...) porque não me conformo de não poder ser uma pessoa normal, como os outros, que vão a qualquer lugar, podem beber, ir a festas, (...) bebi só para ver o que acontecia comigo (...) fiquei mais ou menos um mês sem beber, mas depois comecei devagarzinho de volta (...) aquilo me tomou, ia embalando e quando vi, já estava feito tudo de volta o que eu tinha feito para ser internado».
«(...) fui jogar sinuca (...), aí ‘do nada’ eu peguei no copo e virei um gole de conhaque. (...) nãofoi imediato, mas ‘abriu’ a vontade’, tomei um copo de cerveja e fui embora. Almocei, mas de tarde começou um ‘batimento’, uma fissura e eu olhava na geladeira e olhava para a porta (...). Daí fui ao mercado e comprei um litro de cachaça e escondi dentro do guarda-roupa. Comecei a tomar de novo. (...) tenho mania de falar que tenho autocontrole, mas não tenho, esse é o problema (...)».
Dificuldade de lidar com frustrações. As frustrações decorrentes dos problemas vivenciados no dia a dia como a perda do emprego e conflitos familiares foram atribuídas como motivos para o retorno ao uso de substâncias químicas.
«(...) porque me decepcionei muito com a saída do trabalho, desacreditei em tudo, parece que nada mais faz sentido, que tudo que vou fazer não dá certo mais (...) peguei o dinheiro e fui direto para a boca fumar, para esquecer tudo o que passei (...)».
«Essa recaída foi por causa de uma discussão que eu tive com o meu filho e a minha ex-mulher, (...) arrumei serviço e no primeiro mês ela já queria que eu pagasse os atrasos da pensão, ou ela iria me colocar na justiça. (...) Aí meu filho veio falar comigo, já ‘me estourei’! Saí da casa do meu filho, passei pela lanchonete e estavam tomando lá. Já não fui pra casa, briguei com a minha atual mulher, foi aquela confusão, bebi 15 dias direto, até eu voltar a procurar ajuda».
A inatividade desperta o desejo pelo uso de substâncias psicoativas. A falta de trabalho, compromisso ou alguma atividade programada contribuem para a recaída. Também a sensação de «vazio» para o qual acabam buscando o preenchimento com a droga.
«(...) quando tenho alguma coisa para fazer (...), quando estou trabalhando, eu continuo bebendo, nunca parei, mas não me afundo, (...), porque tenho a responsabilidade de dizer que amanhã tenho um serviço para fazer, sei que não posso beber porque tenho outra coisa para fazer. (...) quando fiquei desempregado, não tinha hora, não tinha atividade nenhuma, compromisso nenhum, então eu bebia».
«Eu ficava sem ter o que fazer porque não estava usando droga, não estava fazendo nada (...) algo estranho que dava um vazio, (...) descrença nas coisas».
Perdas, comorbidades e o reconhecimento da impotência motivam a busca de tratamento. O desejo de recuperar a família que se distanciou por causa de sua dependência, o medo de perder o amor da esposa, dos filhos e demais familiares, a perda de bens materiais e do emprego contribui para o desejo de tratamento.
«Primeiro porque tenho um filho de 8 anos de idade que me ama, (...) para ele se espelhar num homem de verdade, não em um drogado. Para recuperar a minha família, porque se eu não melhorar, se não for um homem de verdade, não vou conseguir ter minha esposa ao meu lado. (...) Eu decidi por conta própria me internar para recuperar minha família que amo».
«Pela família e por mim também, (...) eu não quero continuar usando droga, vendendo as minhas coisas. (...) Um cara com 30 anos, trabalhador, tem carro, tem casa, como sempre tive, fazia faculdade e, depois ver como estou, sem casa, com o carro todo quebrado. Daí
os familiares falam ‘procura uma ajuda’ (...)».
«(...) eu não queria vir, mas (...) foi a primeira vez que apaguei (...) nunca tinha acontecido de desmaiar e também um dia antes tinha me dado uma coisa estranha, amorteceu todo um lado do corpo, entortou tudo (...) parecido com um derrame (...) estava só vomitando. (...) eu vim porque vi que estava doente mesmo (...) e só venho quando eu estou ‘morrendo’, eu aguento até o último (...)».
O reconhecimento da impotência perante o vício pelos entrevistados também é explicitado como fator que os impulsiona a buscar e/ou aceitar a indicação da família, ou equipe de saúde, para o tratamento. Referiram que se sentem impotentes para enfrentar sozinhos a atração e o impulso para o consumo e que o reconhecimento próprio ou o estímulo da equipe para que ele perceba a situação em que se encontra, ajuda-o a optar pela busca de tratamento e, mesmo para aqueles que já estão frequentando um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), às vezes, a alternativa mais viável que se mostra naquele momento é a internação.
«Minha reinternação aconteceu porque não conseguia me controlar. Minha mulher me dava medicamentos e eu tomava álcool logo em seguida. Então, o psicólogo me disse que eu tinha que ser internado para poder me controlar, porque sozinho não ia parar e concordei com ele».
«(...) chega uma hora que você se sente um lixo, não consegue mais, (...) a sua autoestima vai para o chão. Essa é a primeira coisa. Você não sente mais vontade de trabalhar, de fazer a barba, de tomar banho, se alimentar (...) você vê que está se acabando, está no fundo do poço e o tratamento é uma mão que está sendo estendida para você».
DISCUSSÃO
A faixa etária dos sujeitos variou entre 23 e 45 anos, idade considerada produtiva, pois são indivíduos nessa faixa etária os responsáveis pela maior força de trabalho de nosso país. Por outro lado, pelo uso de drogas, com frequência, perdem seus empregos, são destituídos de funções sociais e familiares, caracterizando perda social por restringir a pessoa na capacidade de produzir benefícios para si e para a sociedade4,7.
Um estudo8 desenvolvido com 25 dependentes de álcool evidenciou que os principais fatores para as recaídas foram a pressão social e a influência de amigos dependentes químicos (40%); outros fatores atribuídos foram a solidão e distanciamento da família (24%), conflitos com a parceira (16%), dependência (10%) e depressão (8%).
Pode-se dizer que todo dependente químico que busca a abstinência necessita modificar o círculo social de amizades com o qual compartilhava o uso da droga, como maneira preventiva de recaídas, apesar de a prática evidenciar que esta é uma das maiores dificuldades enfrentadas por estes indivíduos9.
Os depoimentos dos sujeitos reforçam o lema da irmandade Alcoólicos Anônimos (AA) de evitar o primeiro gole, pois é a iniciativa que leva, imediatamente ou mais tarde, ao controle da compulsão para beber10.
Ante a presença da droga, o sujeito se depara com a impotência de raciocinar e reage compulsivamente na tentativa de diminuir uma tensão que lhe parece impossível controlar por outros meios. O indivíduo se sente comandado pelo objeto e, assim, fracassa, principalmente, na maneira de utilizar a linguagem e o pensamento como métodos de ponderação. Em decorrência disso, novamente usa a substância, mas, após o alívio da fissura, em resposta ao ato reaparece a falta de prazer11.
Uma pesquisa8 realizada com 105 alcoolistas de cidades do interior de Minas Gerais, Brasil, obteve como principal fator atribuído à recaída, a dependência física e psicológica especificamente associada à necessidade de beber e à falta de vontade de parar, respectivamente, presentes em 60% dos sujeitos.
Os relatos dos sujeitos deste estudo confirmam os resultados dos estudos11,12 que revelaram que, para os sujeitos, a busca da satisfação parece estar relacionada diretamente à tolerância das frustrações, fazendo com que recorram às drogas como solução imediata, o que é ilusório diante de uma angústia vivenciada como inexplicável, associada aos mais diferentes impasses cotidianos.
A vivência num ambiente familiar instável, intolerante, com falta de compreensão e afetividade, ou até mesmo com falta de imposição de limites e de disciplina, também favorece o comprometimento da autoestima, que, por sua vez, dificulta a superação das pressões do meio ambiente, podendo voltar às drogas13.
A baixa autoestima, as expectativas negativas e a ausência de autopercepção, levam indivíduos com problemas associados ao consumo de substâncias persistirem em comportamentos adictivos, apesar dos prejuízos nas diversas áreas da vida14. Assim, o compromisso decorrente de uma ocupação ajuda os dependentes químicos a se manterem abstêmios e o contrário contribui para a recaída12.
Com o desenvolvimento da dependência, se intensifica a redução de interesses do indivíduo para os assuntos que não estejam relacionados à droga, passando a se dedicar totalmente à obtenção da substância15. Esse comportamento passa a ser rotina na vida do usuário que, após o tratamento, ao retornar para o convívio familiar, pode sentir-se em inatividade por não estar usando a droga.
Conquanto a abstinência seja a condição desejada para o dependente químico, tão indispensável quanto ela são os tratamentos que auxiliam no desenvolvimento de habilidades do usuário para enfrentar a vida sem a droga, a busca de novas formas de relacionamento com familiares e outras pessoas que não sejam usuárias e a reinserção social14,16.
Um dos motivos para busca por tratamento relatado nesta pesquisa é a preocupação do modelo de pai que o dependente químico representa para seu filho. Um estudo realizado na periferia da cidade de São Paulo, Brasil com crianças e adolescentes filhos dependentes químicos confirmou a predisposição à dependência química em crianças ou jovens que convivem com alguém que utiliza, de maneira abusiva, algum tipo de substância psicoativa, tornando-se este um fator de risco para o início da prática abusiva. O padrão inadequado dos cuidados paternos acaba por promover agressividade e comportamento antissocial nas crianças, aumentando o risco de alcoolismo nos descendentes, associado ao transtorno de personalidade17.
O estudo18, que externou contextos de abstinência e recaída de alcoolistas, ratificou a importância da família e seus vínculos como base para a reestruturação da vida dos dependentes, servindo como fator motivador na busca pela reabilitação. Indivíduos que mantêm vínculo familiar no momento da internação têm um maior aproveitamento do tratamento do que aqueles que não possuem família. Isso também é observado durante a manutenção da abstinência, pois o potencial retorno ao uso de substâncias psicoativas está fortemente relacionado à falta de apoio e de acompanhamento familiar19.
Um estudo realizado com dependentes químicos na cidade de Caxias do Sul, Brasil, evidenciou que «é na ruptura, na conscientização do fracasso, no confronto entre o que se quer e o que não se quer parece emergir a compreensão do possível, do projeto construtivo viável»12. Isso é confirmado por intermédio das falas dos sujeitos, quando reconhecem o déficit de seu autocontrole como o fator principal para a busca por tratamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos nesta pesquisa confirmam resultados e aspectos encontrados na literatura e apontam para a necessidade de aprimorar os processos de prevenção à recaída considerando-se que periodicamente estão sendo revelados aspectos comuns como atribuições ao retorno do uso das substâncias psicoativas, o que garantiria uma maior validade dos esforços políticos e governamentais na luta contra a dependência química e incentivaria a melhoria dos tratamentos ofertados a esta clientela, hospitalar ou extra-hospitalar.
Os dados dessa pesquisa sobre a dependência química, tratamento e processo de recaída, fatores fundamentais no processo saúde-doença dos usuários de substâncias psicoativas podem subsidiar profissionais de saúde na compreensão de situações peculiares do cotidiano dos dependentes químicos e no planejamento do cuidado. Sugerem-se investigações futuras sobre a temática abordada devido à sua alta complexidade e dinamismo.
Conflito de interesses. Os autores declaram que não houve conflito de interesse para este estudo.
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