Tratamento da pessoa com transtorno mental em face da Reforma Psiquiátrica Brasileira: percepções dos familiares
Treatment of mental patients in the presence of the Brazilian Psychiatric Reform: family members’ perceptions
Clarissa Regina Jasnievski, Acad1, Marcio Roberto Paes, RN, MSc2, Andréa Noeremberg Guimarães, RN, MSc3,
Tatiana Brusamarello, RN, MSc3, Mariluci Alves Maftum, RN, PhD4
1Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano em Enfermagem (NEPECHE), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: clarissa_jasnievski@hotmail.com
2Enfermeiro do Hospital de Clínicas/UFPR. Membro do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: marropa@pop.com.br
3Membro do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: deia@ufpr.br tatiana_brusamarello@yahoo.com.br
4Vice-coordenadora e docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Vice-líder do NEPECHE, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. e-mail: maftum@ufpr.br
Recebido para publicaçãoNovembro 23, 2010Aceito para publicação Junho 10, 2011
RESUMO
Objetivo: Apreender as percepções de familiares de pessoas com transtorno mental quanto ao tratamento em face da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Metodologia: Pesquisa qualitativa, exploratória, desenvolvida em 2010 em um hospital psiquiátrico do Estado do Paraná/Brasil. Os sujeitos foram 10 familiares de portadores de transtorno mental em tratamento. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e analisados pela técnica de análise temático-categorial.
Resultados: Da análise, emergiram três categorias: Tratamento do portador de transtorno mental face à Reforma Psiquiátrica; Serviços de saúde mental extra-hospitalares; Sobrecarga física e emocional do familiar.
Discussão: As famílias percebem que existe uma nova forma de tratar o portador de transtorno mental baseado na sua reinserção social com a participação da equipe multiprofissional.
Conclusão: Há necessidade de maior apoio às famílias de pessoas com transtorno mental, mediada pelas políticas públicas brasileiras.
Palavras chave: Saúde mental; Família; Políticas públicas; Pesquisa qualitativa; Enfermagem; Pessoas mentalmente doentes.
SUMMARY
Objective: To apprehend family members’ perceptions on treatment of mental patients in the presence of the Brazilian Psychiatric Reform.
Methodology: Qualitative exploratory research carried out in 2010 at a psychiatric hospital in Paraná State/Brazil. Ten family members of mental patients were the subjects. Data were collected by means of a semistructured interview and analyzed through thematic analysis.
Results: From the analysis, three categories emerged: Treatment of mental patients in the presence of the Brazilian Psychiatric Reform; Outpatient Mental Health Services; Family members’ physical and emotional distress.
Discussion: The families perceived a new way of treating mental patients based on social reinsertion with the participation of a multiprofessional team.
Conclusion: More support is deemed necessary on the part of mental patients’ families mediated by Brazilian public policies.
Keywords: Mental health; Family; Public policies; Qualitative research; Nursing; Mentally ill persons.
Diante do Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), as políticas de saúde mental preconizam tratamento extra-hospitalar e abandono do modelo manicomial dando ênfase ao psicossocial, no qual a inserção da família no tratamento do portador de transtorno mental é imprescindivel1. Por muito tempo a família foi considerada como a causadora do transtorno mental e incapaz de cuidar de seu familiar doente. Acreditava-se que a família deveria permanecer distante do portador de transtorno mental, que era entendido como indisciplinado e responsável pela desordem social, assim seu convívio em família poderia prejudicar os membros mais vulneráveis como crianças, idosos e mulheres2,3.
Em decorrência da RPB, ocorreram intensas mudanças na área da saúde mental, a família passou a ser entendida como ativa no tratamento, sendo também carente de cuidados, pois a convivência e o cuidado exigidos pelo portador de transtorno mental lhe causam sobrecarga física e emocional2,4.
Com a aprovação da Lei 10.216/015, a RPB foi concretizada, orientando, assim, práticas em saúde mental com objetivos de realocar o portador de transtorno mental no âmbito familiar e comunitário, utilizar preferencialmente serviços da atenção primária e garantir o direito da cidadania e autonomia que havia perdido devido às internações prolongadas nos manicômios. Essa realidade brasileira converge com a tendência mundial preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhecendo a atenção primária como primordial para a integração dos serviços em saúde mental6.
Assim, no Brasil os serviços de saúde mental extra-hospitalares são compostos pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Hospital-Dia (HD), Serviço Residencial Terapêutico (SRT) e Ambulatórios de saúde mental como propostas de reestruturação e diminuição de leitos em hospitais psiquiátricos. A legislação de saúde mental brasileira visa definir o papel e o alcance das ações em saúde nas esferas federais e locais provendo condições para que o portador de transtorno mental seja inserido na sociedade, receba tratamento no seu território e conviva com sua familia7.
Considerando a importância que a família ocupa no sucesso ou insucesso do tratamento, esta pesquisa teve como objetivo apreender as percepções de familiares de pessoas com transtorno mental quanto ao tratamento face à Reforma Psiquiátrica Brasileira.
METODOLOGIA
Pesquisa qualitativa exploratória, desenvolvida de março a junho de 2010, em um hospital-Colônia, especializado em psiquiatria da rede pública do Estado do Paraná, e que atende exclusivamente pelo do Sistema Único de Saúde do Brasil.
A pesquisa qualitativa trabalha com significados, atitudes, crenças e valores, ocupando-se em profundidade com as relações, processos e fenômenos, que não podem ser traduzidos em variáveis. O critério de escolha da população a ser investigada na abordagem qualitativa não é numérico, uma vez que a amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade de suas diversas dimensões8.
Para tanto, os sujeitos foram 10 familiares de portadores de transtorno mental internados na instituição, selecionados conforme os seguintes critérios de inclusão: ser membro da família do portador de transtorno mental, acompanhar o tratamento do paciente e saber informar acerca do tratamento e concordar em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram respeitados os aspectos éticos, de acordo com a Declaração de Helsinki. O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal do Paraná, registro CEP/SD: 822.157.09.10.
Os dados foram obtidos mediante entrevista semiestruturada cujo roteiro continha questões relativas à caracterização e uma pergunta aberta: Como você percebe o tratamento recebido pelo seu familiar em face da RPB?
Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo9, mediante as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. A pré-análise consiste na familiarização do material (escuta, transcrição e leitura das entrevistas). Na exploração do material, elege-se os temas de relevância ao estudo. Na última fase, o pesquisador propõe inferências dos dados para a interpretação final e construção das categorias, que são articulados com a teoria.
RESULTADOS
Apresentam-se os dados de caracterização dos sujeitos, seguidos das categorias temáticas: Tratamento do portador de transtorno mental em face da Reforma Psiquiátrica; Serviços de saúde mental extra-hospitalares; Sobrecarga física e emocional do familiar (Quadro 1).
Tratamento em saúde mental em face da Reforma Psiquiátrica. Os familiares reconhecem que, nos últimos anos, existe um modo diferente de tratar o portador de transtorno mental, com novas atividades, visando a reintegrá-lo à sociedade. Percebem mudança na relação entre equipe e usuários dos serviços de saúde mental:
«Uma coisa de que a gente tomou conhecimento é o tipo de trabalho e envolvimento do doente nas atividades que ele faz, nas iniciativas de tentar reintegrá-lo».
«O jeito da equipe tratar mudou muito. Em tudo. Há dedicação de todos, médicos, psicólogos (...).
Mudou bastante para nós».
Os participantes relataram que houve mudança no tempo de duração das internações, pois antes da RPB as internações duravam até cinco anos, mas atualmente percebem a redução para pouco mais de um mês. Também, que diferentemente do que ocorria, o intervalo entre as internações estão maiores e as ocorrências diminuíram de frequência:
«As internações anteriores eram mais longas».
«A primeira internação foi de cinco anos e oito meses, depois, foram em média de quatro meses. A última foi de 40 dias».
«Com a Reforma Psiquiátrica, o tempo de internação foi diminuindo (...) esse tempo encurtou bastante».
Os sujeitos compararam as formas de orientações e informações fornecidas pelos profissionais dos hospitais. Descreveram que no passado, durante a internação hospitalar do paciente, faltava orientação quanto às opções de continuidade do tratamento e de informações sobre o tipo de transtorno, sintomas e uso de medicação. Um sujeito referiu que o tratamento era por internações institucionais manicomiais era a única opção. Outro refere o panorama atual como esclarecedor de dúvidas, com espaços próprios para orientações da família.
«Nos outros hospitais que ele ficou internado nunca ninguém o encaminhou para continuar o tratamento no CAPS».
«Nunca foi encaminhado para nenhum outro lugar (...). Era só internação. Não teve nenhum outro acompanhamento, nem explicação (...) a gente nunca teve quem orientasse para procurar o CAPS para continuar o tratamento (...). Nunca explicaram sobre a doença, como hoje fazem neste hospital. Eu sabia que ele tinha distúrbio bipolar, mas não sabia o que era. Ninguém nunca explicou. Sabemos que ele precisa tomar remédio, que tem distúrbio, mas não sabia como era, como agir».
«Ele se internava e fazia o tratamento no hospital, era só isso. Lá dopavam, ficava cheio de remédio, não tinha como a gente conversar com ele, ninguém vinha conversar com a família, nem médico, psicólogo. Nós não tínhamos assistência, ninguém conversava conosco».
Na fala seguinte, o sujeito explicita sua percepção quanto à inserção da família no tratamento em face da RPB, compreendendo-a como uma ação que precisa ser fortalecida por medidas em longo prazo, desenvolvidas para famílias que possuem ou não um membro com transtorno mental:
«O trabalho com a família é incipiente (...). Seria um avanço na Reforma desenvolver alguma coisa em longo prazo, que sensibilize a família (...). Um trabalho direcionado para sensibilizar as famílias, que tem o problema ou não».
Serviços de saúde mental extra-hospitalares. Os sujeitos descreveram outros serviços onde tratam o portador de transtorno mental e o CAPS apareceu como o mais conhecido e procurado, reconheceram sua estrutura e organização. Entretanto, referiram que seu familiar portador de transtorno mental desconhece a finalidade do CAPS e, em alguns casos, apresenta pouca adesão. Citaram também o Hospital-dia e o ambulatório como locais alternativos.
Nas falas a seguir, notam-se a valorização do trabalho desenvolvido pelos CAPS, sua efetividade e importância da decisão do paciente em frequentar esse serviço:
«Faz quase dois anos que ela frequenta o CAPS (…) está participando ativamente, conseguiu a vaga e decidiu ir. Eu percebo que o CAPS trouxe grande benefício, é espetacular, uma coisa muito boa. Para ela está ajudando muito, apesar de ela ter a doença há bastante tempo (...). Está ajudando muito na melhora dela (...). É, no CAPS que está dando estrutura, acho que gradativamente está melhorando».
«No CAPS tem tudo o que ele precisa (...) psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional (...). Depois que ele tiver alta, vai ter opções para procurar e continuar o tratamento, o CAPS na região em que a gente mora ou um centro de triagem (...). Eu vou pedir que seja no CAPS, porque lá tem mais opções».
Por outro lado, o relato a seguir critica a periodicidade, que o CAPS sugere ao paciente com transtorno mental frequentar. Refere que o paciente comparece ao serviço para obter nova receita para a medicação, e que, por vezes, ele nem chega a ir ao serviço, sendo o familiar que busca a receita.
«Ele vai ao CAPS (...) o que fazem lá é só dar a receita. Quando termina, eles dão remédio para 30 dias, termina de novo (...), e daí a cada 30 dias tem que ir lá. Quando ele sai da internação, frequenta o CAPS só para pegar a receita (...). Às vezes, não o levo lá, só pego a receita».
«Fomos lá, arrumamos tudo, mas ela não quis ficar no CAPS (...), não quis devido ao transporte, porque temos que levá-la de manhã e retornar à tarde, e como ela não quis, não vou obrigá-la».
«Ele nunca foi ao CAPS, não queria ir e minha mãe não o levava (...). Nunca frequentou, ele não gosta de ir».
O conhecimento que os sujeitos possuem sobre o CAPS é recente e pelos seus relatos as informações acerca de sua existência chegam a eles de modo lento e defasado, assim como o seu conhecimento nem sempre se dá pela equipe de saúde.
«Eu desconhecia sobre a existência dos CAPS (...) faz uns cinco ou seis anos que eu conheço».
«Soubemos que existe CAPS por meio de uma amiga que tem problemas mentais e se trata no CAPS».
Houve citação do hospital-dia, associado à continuidade do tratamento logo após a alta hospitalar. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram referidas por 50% dos sujeitos como local de tratamento ao qual recorrem para conseguir internação hospitalar nos períodos de exacerbação dos sintomas do transtorno mental de seu familiar:
«Ele ficou três meses internado e quando recebeu alta foi encaminhado para o hospital-dia».
«Ela fica em casa e tem acompanhamento da equipe da UBS (...), continua o tratamento na UBS mesmo».
«Faz o tratamento na UBS (...), pega medicação (...), faz consulta com o psiquiatra da UBS, (...) é só para a UBS que encaminham ela (...) continua o tratamento lá».
«Ele saía com os medicamentos receitados pelo hospital, para uns 3 dias, depois a gente procurava um clínico geral da UBS para encaminhar para um psiquiatra».
Sobrecarga física e emocional do familiar. Os sujeitos abordaram a participação da família no tratamento do portador de transtorno mental e a sobrecarga a que ela é submetida em decorrência dessa convivência. Relataram que acompanham o tratamento através das reuniões que ocorrem durante o período de internamento, mediante auxílio para o correto uso da medicação e no acompanhamento às consultas:
«No Hospital, participo de todas as reuniões, procuro não faltar às reuniões».
«Teve reuniões no Hospital, fui a duas e eram com todos juntos, os pacientes com os familiares; eles conversavam com todos».
Entretanto, nas falas a seguir é citado que há pouca participação dos outros membros da família no tratamento do portador de transtorno mental, deixando-o a cargo de poucos.
«No início, nessas reuniões familiares, a gente trazia a família, mas hoje, nem no CAPS eu estou conseguindo que participem (...) será que ninguém pode realmente tirar um tempo? Infelizmente, apesar de a família ser grande, fica restrita à gente mesmo».
Quando um familiar assume a responsabilidade pelo portador de transtorno mental e seu tratamento, surgem mudanças em seu convívio social, podendo ser isolado pelos demais membros da família, ocorrendo instabilidade e, por vezes, separação conjugal. A fala seguinte demonstra a responsabilidade sobre o tratamento do paciente, e que isso demanda compromisso, gera pressão, sobrecarga física e mental sobre esse familiar:
«Eu vejo que dentro dessa proposta a gente existe um grau de responsabilidade do familiar. (...) Se você não acreditar em alguma coisa, que ela vai melhorar, você fica na estrada, não tem como você resistir a tanta pressão, porque é evolução de um problema constante, que nunca acaba (…). Há poucos dias, o meu filho mais novo, com 23 anos, me falou que achava que eu me separei da mãe deles por causa da minha filha que tem transtorno mental. O problema realmente é pesado».
«Realmente, não é fácil, por um lado se obriga, clama pelo reconhecimento, valorização, e por outro lado é uma pancadaria, que é difícil você manter equilíbrio numa continuidade de vida de uma pessoa com doença mental».
Os sujeitos se referiram ao descaso do gestor público e da equipe para com as necessidades do paciente e isso se estende à família. Nota-se que a família passa a se sentir desvalorizada e não participante do tratamento:
«Eles não dão o devido atendimento para o doente mental. Os governos tinham que dar melhor atenção à causa mental. A gente pede ajuda, auxílio da assistência, mas não tem, nem para ambulância, quando ele está muito ruim, eu vou até a UBS, fico lá, porque ele entra em uma sala, entra na outra, não deixa ninguém trabalhar, daí eles chamam a ambulância».
«Não sei se pelo tratamento, pelo jeito que estão tratando ele, pelo que fazem com a gente também, nos outros hospitais você se sente um lixo, tratam você como uma pessoa qualquer. Eles não têm carisma, aquele tipo de tratamento que tem neste hospital».
DISCUSSÃO
Os sujeitos da pesquisa têm entre 29 e 71 anos, a maioria (n=8) são mulheres, corroborando estudos brasileiros em que se verificou a predominância feminina nos atendimentos a familiares portadores de transtorno mental, para os quais essas familiares desempenhavam o papel de cuidadora principal1,10.
As formas de tratamento em face da RPB são percebidas pelos sujeitos pelas ações e atividades com vistas à reintegração do portador de transtorno mental na sociedade, e não somente a procedimentos de higiene, alimentação e manutenção da ordem, como ocorria no modelo manicomial. Atualmente, exigem-se dos profissionais de saúde, entre eles os enfermeiros, que atuem conscientes de seu papel, dispostos a explorar as mais variadas formas de atenção em saúde, visando a exercitar a autonomia e a cidadania da pessoa com transtorno mental, contribuindo para sua reabilitação11.
O trabalho multiprofissional explicitado pelos sujeitos está em conformidade com os pressupostos da RPB. Porém, o trabalho em equipe é uma das grandes dificuldades e desafios na área da saúde mental. As questões que envolvem a saúde mental são complexas e amplas, necessitando de abordagem por vários olhares, mediada pelas discussões entre profissionais, família e paciente12,13.
A intervenção profissional deve proporcionar espaços acolhedores que permitam troca de experiências, compartilhamento de alegrias, dúvidas, tristezas, ampliando a autonomia dos pacientes e diminuindo o sofrimento e sobrecarga emocional das famílias. O enfermeiro ao cuidar do paciente com transtorno mental e sua família estabelece uma dinâmica a esse cuidado, identificando dificuldades e pontos fortes da família e, assim, pode esclarecer sobre as possibilidades de reabilitação, pois a autonomia do paciente depende do potencial de cada um, podendo ou não ocorrer4,12,13.
A falta de orientação ao usuário na área da saúde mental foi fortemente evidenciada, pois a família não sabia como proceder após a alta hospitalar, não tinha informações sobre a doença, efeitos da medicação. Com a mudança no modelo de atenção em saúde mental, a relação entre a equipe de saúde e a família foi revista, e a família foi incluída nos planos de reabilitação e cuidados. Para tanto, as informações entre família/equipe devem ser constantes; caso não ocorra, o processo terapêutico pode ser abalado11.
As falas dos sujeitos traduzem o que preconiza a Lei 10.216, e as diretrizes da OMS em que as pessoas com transtorno mental têm o direito de serem tratadas preferencialmente em serviços da atenção primária, evitando as internações prolongadas em hospitais psiquiátricos com característica asilares e manicomais5,6.
Com a ampliação da rede de atenção em saúde mental promovida pela RPB, os sujeitos perceberam o surgimento da rede de serviços extra-hospitalares na atenção primária. No Brasil atualmente existem 1.541 CAPS, que oferecem acompanhamento clínico e mediam a reinserção social dos usuários pelo trabalho, lazer, exercício dos direitos civis, cidadania e fortalecem laços familiares e com a comunidade14. Portanto, sua função extrapola a de prescrever medicamento.
O HD é modalidade de tratamento que permite ao paciente receber cuidados durante o dia e à noite estar com a família. Esse dispositivo proporciona à família possibilidade de vivenciar, ao lado do portador de transtorno mental, o tratamento e, buscar junto com ele, formas facilitadoras de adaptação à família15.
Um estudo realizado com 34 usuários de HD no Brasil revelou que mais de 60% da amostra foi encaminhada ao HD por serviços ambulatoriais; predominaram os transtornos afetivos e mais de 50% dos usuários já haviam sido internados em hospital psiquiátrico16. Estudo desenvolvido em dois HDs de Fortaleza/Brasil concluiu que a família é fundamental na reabilitação do portador de transtorno mental, pois amplia sua autonomia17.
Entretanto, a pouca participação de todos os membros da família no tratamento do portador de transtorno mental gera aos familiares cuidadores, sobrecarga, pois não há com quem dividir responsabilidades17. A alteração social a que a família é submetida acarreta sobrecargas que se referem aos problemas ou dificuldades reais causados pelos comportamentos dos pacientes e as relacionadas aos sentimentos pessoais que o cuidador tem sobre o ato de cuidar, sendo resposta da família ao processo de adoecer, ao sofrimento13.
Um estudo brasileiro com 150 familiares de portadores de transtorno mental, concluiu que há alta incidência de sobrecarga aos familiares relacionada às atividades cotidianas, devido à necessidade de pedir aos pacientes repetidas vezes que se ocupassem com algo. O estudo apontou que as atividades ocupacionais ou recreativas direcionadas aos pacientes foram consideradas fatores de redução da sobrecarga familiar15.
CONCLUSÕES
Os resultados demonstram as mudanças na assistência em saúde mental e que existe falta de homogeneidade no funcionamento dos dispositivos extra-hospitalares. O conhecimento dos familiares de portadores de transtorno mental e suas percepções do tratamento que é ofertado são relevantes para avaliar a efetividade do processo da RPB, pois demonstram como estão o processo de inclusão da família como cuidadora e recebedora de cuidados e a qualidade do tratamento que é oferecido a essa clientela. Este estudo aponta para necessidade de políticas públicas que dêem suporte às necessidades das famílias das pessoas com transtorno mental.
Conflito de interesses. Os autores declaram que não houve conflito de interesse para este estudo.
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